26/09/2011

Se Eu Pudese Ser a Voz do Tempo



Se eu pudesse ser a voz do tempo, este tempo de hoje seria diferente.

As lágrimas que lá longe evitei, dar-lhes-ia voz... E hoje já não me assustava quando a minha alma pede para ser limpa. Todas as almas precisam chorar; todas as almas precisam lavar-se; todos os olhos precisam humedecer-se. E se eu fosse a voz do tempo, nesse tempo, eu teria chorado. Não o teria evitado. E hoje, continuava a chorar... mas não ficava assustada. A vergonha não vingava e saberia que estava apenas a cuidar da higiene do ser mais íntimo, mais frágil e que de especiais cuidados tanto carece: Eu! E tanto que esse meu eu precisou chorar! E se o tivesse feito, minha alma estaria alva de luz e hoje, já nem saberia chorar, sequer!

Se eu pudesse ser a voz do tempo, dava voz à tristeza. Teria sido triste quando era isso mesmo que sentia! E não a encarcerava nas celas dos almoços de circunstância, nos telefonemas banais ... Hoje não teria asfixiado a tristeza em relacionamentos estéreis, nem a deixaria perder-se na ilusão das aparências.
Se eu fosse a voz do tempo e esse tempo pudesse mudar, deixaria que a tristeza singrasse, que se tornasse gigante. Não a teria deixado dormir e por isso não a atulhava de terapêuticas curativas, autênticos placebos, que apenas a adormeciam! Tão pouco lhe tinha trocado o nome e jamais a teria alcunhado de depressão! E se assim tivesse sido, hoje, a minha tristeza estaria velhinha, já sem forças para assumir qualquer identidade.. É que hoje a minha tristeza estaria decrépita, enrugada, trémula, quase a sucumbir. Tinha tido uma juventude vivida, tinha-se assumido, tinha feito revoluções, tinha até chegado ao poder ... Mas depois cumpria-se o seu ciclo de vida... já não podia crescer mais. E começava a esmorecer. Com o passar dos anos, teria definhado e hoje, certamente, até já teria finado!

Se eu pudesse ter sido a voz do tempo, hoje já não teria voz. Aliás, hoje até poderia ser muda!

Porque se eu tivesse recuado àquele tempo e tivesse dado voz ao que a minha alma sentia e me pedia, hoje tudo era muito mais simples. Apenas choraria de comoção e sentir-me-ia gigante na coragem que tive em ter chorado, sem que a vergonha tivesse espreitado... só porque estava triste. Simplesmente...

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